segunda-feira, 8 de setembro de 2008

As asas crescem devagar

Quando era pequena, a minha maior alegria era semear coisas. Semeava tudo: caroços de laranja, de nêsperas, pevides, de melão, raízes ínfimas de violetas, pétalas de cravo, olhinhos amarelos de malmequer. Semeava nos vasos, nos canteiros da escola e, sobretudo, debaixo duma nespereira enorme que havia no quintal da minha casa de infância. As sementes transformavam-se. Primeiro eram folhas tenras, depois plantas que cresciam, às vezes trepavam, às vezes... não acontecia nada. Um dia o meu canário morreu. Logo, não percebi muito bem o que tinha acontecido. Depois, descobri que alguma coisa diferente, silênciosa, fria e inesperada, interrompia a vida. Então, fui também semear o canário. Durantes dias e dias aguardei, debaixo da nespereira, que o canário voltasse. Primeiro, seria o bico. Depois, os olhinhos e, depois ainda, um vôo rápido e uma canção.
Passaram-se muitos anos. Quando olho lá para trás sei que descobri que a vida é um milagre. Semear qualquer coisa que fique, que cresça, que deixe um sinal, mesmo pequenino, deve ser o sentido dos nossos dias. E, em certas horas, ainda acredito que o canário voltará. É talvez uma semente que demora um pouco mais que as outras porque tem asas e as asas crescem devagar. Mas eu sei, tenho a certeza que um dia, de repente, no alto duma árvore qualquer eu avistarei essa ave. E conto com vocês que me leêm para me ajudarem a descobri-la. Está bem?

Maria Rosa Colaço

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